Trump: um fósforo<br>sob a cama de pregos

António Santos

Não é fácil explicar por que razão o candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA passou a última semana a fazer tiro ao alvo contra a própria campanha. Deste lado do Atlântico, podemos ter a ilusão de que, desde que se lançou na corrida à nomeação, o magnata não tem feito mais que tentativas de suicídio político disparando insultos contra pessoas portadoras de deficiência, afro-americanos, mulheres, homossexuais, imigrantes, mexicanos, muçulmanos, refugiados, vítimas de abusos sexuais, etc... Mas a campanha de Trump, longe de ser «errática» como acusam os liberais, tinha, até aqui, feito uma gestão criteriosa de quem ofender e em que momento. Tudo mudou ao longo da última semana.
A estratégia da campanha de Trump nunca, até este ponto, tinha sido lunática: consciente do apodrecimento económico do capitalismo e da consequente desintegração da sua super-estrutura política, «O Donald», como gosta de ser tratado, arregimentou em torno da sua candidatura sectores minoritários do grande capital e propôs duas alianças: com a pequena e média burguesias amargadas com a crise e, por outro lado, com a classe trabalhadora branca, há décadas esquecida pelo partido bicéfalo.

O gosto de Trump por irritar as elites políticas, democratas e republicanas, com frases vulgares, é uma vontade comungada por milhões estado-unidenses pobres e alienados, que também gostariam de poder mostrar o dedo do meio ao patrão, ao ricaço, ao político… «to the man». E Trump sabe-o.

Da mesma forma, quando o candidato republicano agita o fantasma do fascismo, prometendo combater os sindicatos, blindar a máquina repressiva e fechar as fronteiras, está a responder aos anseios da pequena e média burguesia autóctone, apavoradas com a perspectiva de esmagamento pelos monopólios, incapazes de enfrentar a concorrência externa, agarradas aos velhos privilégios de «homens brancos de classe média».

Distribuindo todo o seu peso numa cama de pregos, Trump parecia poder dizer qualquer coisa: o choque, a repulsa e a surpresa dividiam-se por centenas de declarações semelhantes, os eleitores sorriam, condescendentes, e a constante atenção mediática pagava a conta.

A derradeira heresia

A democracia burguesa tem estas coisas: há liberdade para ser xenófobo, sexista, homofóbico, islamófobo e anti-comunista… mas, mesmo nos EUA, há certas linhas que nem Trump pode cruzar. Quando, no primeiro dia de Agosto, o nomeado republicano escarneceu da família muçulmana de um soldado estado-unidense, morto em 2004, no Iraque, tinha quebrado um dos mais rígidos tabus daquela sociedade: «as tropas».

O «apoio às tropas» é indiscutível e quem desrespeita ou questiona essa entidade abstracta é violentamente ostracizado. As sondagens que se seguiram confirmaram a gravidade da heresia: uma desvantagem de até dez por cento face a Hillary que capitaliza o desmoronamento do campo republicano. Na mesma semana, meia centena de republicanos «peritos em segurança», entre os quais vários quadros das administrações de Nixon e de Bush sénior e júnior, assinaram uma carta aberta contra Trump que, avisam, seria «o presidente mais perigoso da História».

Aproveitando o momento, o Partido Republicano começou uma debandada para a campanha de Clinton. De Henry Kissinger ao responsável pela campanha de Jeb Bush, passando pela maioria dos apoiantes de John Kasich e Chris Christie. O aparelho do Partido Republicano estará mesmo, afiança a cadeia ABC News, a pressionar Trump para este desista e renuncie à nomeação. Nesse caso, de acordo com as regras internas do partido, seria a direcção do partido a escolher o candidato, dispensando assim eleições primárias.

Uma desistência de Trump é, claramente, uma possibilidade distante. Já a chantagem no reverso da moeda, a passagem em massa de quadros republicanos para a campanha de Clinton, é uma realidade à vista de todos.

 



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